E observando
aqueles homens despedirem-se após a breve visita, fiquei imaginando qual seria
a relação entre eles. Um bem mais velho que o outro, e este mais velho
percebia-se que era judiado, mal tratado pela vida. Apesar do respeito
demonstrado a ele, o mais novo não aparentava ser do mesmo sangue. Ao mau trato
da vida me refiro ao corpo, à carne, não um sofrimento emocional, já que tinha
o semblante sem uma superfície triste e sem traços de peso em consciência.
Tinha por certo uma expressão de que havia muito por fazer ainda.
Os
infortúnios mencionados, provavelmente deveriam ser por conta de algum acidente
ou doença. A ele já não pertencia mais um dos braços, uma das pernas mais era
um estorvo do que perna, e a mão que lhe restou para apoiar-se na bengala de
osso era medonha. Eu a vi sem a luva preta que a escondia, havia tirado-a para
mostrar algo ao outro homem. Sobraram-lhe apenas dois dos artelhos: o mínimo e
o opositor, os cotocos dos outros três eram nojentos, mas mesmo assim posso afirmar
que ele por si só não se envergonhava disso, em seu rosto não se manifestava a
vergonha.
Restou-me
apenas elucubrar a respeito de quem seriam, de que maneira tornou-se naquela
figura atraentemente bizarra. Via-se que era firme e dedicado, afinal, com toda
sua dificuldade física liderou e labutou na construção da gruta de oração do
asilo. Imagino eu que com todo ânimo e devoção deve ter sido diácono ou até
mesmo um padre que acabou desordenado (não sei dizer e nem vou me informar a
respeito de ’desordenar-se’ um padre) e o outro homem um pupilo de outros
tempos. Sabe-se lá! e sabe-se cá, é que
eu devo me aproximar de um homem sem um braço, sem três dedos da mão do braço
que restou, que anda apoiado numa
bengala e que arrasta uma perna e que conduziu uma obra de uma gruta para
colocar esta santa de gesso que eu só vim para entregar.
Talvez ele
seja mais vivo e feliz do que eu, que nem acredito em santa nenhuma e entrego
santos de gesso, que não faço gruta, mas imagino coisas, que tenho um corpo
perfeito, mas uma voz sem som algum.