segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Minha cruz

Um lado meu crê na ressurreição
O outro lado da cruz diz-me : Não!
Vejo no que transformaram o amor do qual falou
E desejo crer na ressurreição e assunção
Pois se tivesse sido sepultado
Daria voltas no túmulo ao ver o que fizeram
Com o amor que pregou


Foi pregado!


Se ressuscitado ou não
A mim tanto faz
Eu creio mesmo no que falou
E não no espetáculo em que transformaram seu nascimento
Ou até mesmo morte
Se eterno ou não
Não interessa-me saber
Apenas CRER é-me simples e solução

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Blind

I can't see with my eyes
But I can see through the others
I can't see the rain
But I can smell it before it drops
My eyes were devoured by the darkness
But my fingers can touch what I've needed to see
This is my blindness, this is my blessing

sábado, 1 de dezembro de 2012

Miracle


Touch me
So you can free me

This cage, my body
This ilness, my party

Touch me
Free me

These chains, my thoughts
These feellings my lock

Touch me
Feel me

This pain, my pleasure
These days, my death

Touch me,
I'm sick!

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

A coisa


Considerar ter
Como ser
Pra não ser sem ter
E ter que ser
E ter coisas
E pensar em ter pra querer ser
E tornar-se coisa
E apenas não um ser
Ter pra pensar
E no que pensar
Ter apenas
Pensar em coisas pra ter
E sentir como uma coisa
Que só pensa em ter
E não sente o ser
E não é
Só tem
E só é coisa
Que não tem o que é ser
E nem o que tem.

Existência


Existência

 I - Exausto 

Ando exausto
Exaurido
Talvez Fausto.

Enfadado
Entediado
Querendo êxtase
Onde deveras
Outrora tivera

Entrego-me à proposta
De Mefisto
Tentação!
Não imposta.
Tão somente mostrada
Como deliciosa salsicha
Coberta de escura mostarda

Nem isso mais me agrada
(Como comer um dia foi prazer)
Nem isso e nem mais a amada
(Como amar um dia foi suficiente)

Fausto seja-me
Por um instante.
Talvez sinta-se melhor.

Eu, ser gritante
De energia,
Esfuziante,
Transbordante.
Perdi-me dos valores
Ausentei-me
De minha própria presença
Para querer ser Tudo,
Não ser Deus,
Ser sim Tudo
Que pensamento,
Sentimento
E conhecimento
Alcançassem

Levado
À exaustão
Tentação
Quase-Morte
Desordem
Confusão.

E conclusão:

Ser o que devo ser:
Nada!
Sentir o que quero sentir:
Nada!
Estar onde quero estar:
Lugar nenhum!
Viver o que quero viver:
Morte!

Descanso
Da loucura
Da sede
De saber, sentir, ser, existir, querer, querer, querer...

II - Intervalo

Ficar enciumado
Ver a bela de Tróia ser abraçada
Tornar-me abstêmio de consciência

Por um instante
Ausência


III - O feito de Wagner

Descontente com o admirado.
Ter entregado
A essência do ser
A troco do vil prazer,
Saber.
Insana atitude
Reaver
Juventude

Muitos fatos
Alguns mortos
Virgem não mais
Agora enlouquecida
No cárcere esquecida
Gretchen
ou
Margarida?

Discípulo
Orientado
Que assim fizesse
O ser minúsculo
Mesmo sendo
Ausente o mestre.
Homúnculo
Criado
Engarrafado
Alma e Espírito
Presente
Em chamas
Corpo material ausente

Um ser sedento,
Estar fora
Do frasco
Que de dentro faz
Sentir a vida sem corpo fiasco

IV - Morte

Alma devida
Ao que sempre me segue

Matéria tornada significante
Escusada ao limbo
Nem por onde se quer
Haja uma brisa soprante.

Quase sem ânimo!
Sem Margarida,
Sem Helena.

A alma,
Sedenta de calma.
Agora pequena
É só pena.

O que me constitui ser animal
Já não me quer mais
Espero um ritual
Ser a penas, o que jaz.

Nunca serei
Como outrora
Maldita hora
Não saberei

Velório insólito a realizar
Ninguém a chorar
Ou a enterrar-me
A dívida veio cobrar-me.

Comovida
Intercedeu Maria,
A pedido de Margarida,
Devolveu-me alma
Para ser de fato,
Ter vida morrida.

Toca-me, Margarida, com tua mão de veludo
Ao teu amor devo tudo.
Enfim absolvido de minha ganância
E morto na ignorância.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

eu vi!

(arte de Marcelo Castro)

vi uma multidão perdida,
e a solidão perdida
na multidão de pessoas perdidas

domingo, 11 de novembro de 2012

Palavras usadas


As palavras têm sempre poder
Trazem de volta vida a quem não as tem mais
Palavras têm poder de fazer sonhar
Às vezes quem nem dorme
Ou as que o sono levam antes de pensá-las

Fazem sonhos e castelos de papel
De caminhos traçados num espaço
Que certamente deixado de lado
Será esquecido, devorado por traças

Palavras de trapaça, desamor, desgraça
Malditas e mal lidas e mal ditas e mal amadas

Palavras lidas
Palavras ditas
Imaginadas
Desenhadas e castradas
Sonhadas e por fim escritas

Mal escritas ou apenas e tão somente
Sozinhas descritas
Explicadas e definidas
Infinitas palavras coitadas

Sempre usadas!

domingo, 4 de novembro de 2012

Triste canção para Jill


Ela abre a porta e adentra o quarto escuro
Segurando apenas um toco de uma vela acesa por entre os dedos
A menina prostra-se diante de sua janela
Descansa a vela no parapeito, abre a janela...
Um forte vento apaga a luz da vela
E traz junto dele a luz intensa de um sol
O sol de uma manhã de dezembro
O ar úmido e o verde intenso do pasto
Diante de seu quarto, de sua janela
Ela vê...

Um cavalo branco
Um cavalo negro
O branco cabisbaixo
E como se fosse um negativo
O negro robusto, alegre e de boa aparência

A menina se faz duas dela mesma
De duas partes diferentes como os dois animais
Uma delas permanece apreciando a vista
A outra encosta metade da janela
Uma quer a luz do sol
Enquanto a outra quer a escuridão
Com a parca luz do resto de vela

Uma quer ver o verde, o negro, o branco, o azul
A outra não quer ver, quer só ouvir
Sua nova preferida canção
“Half Jill and half Jack”, é esse o refrão
Que cambaleia em um seu ouvido
E um relinchar do corcel negro no outro ouvido seu

“Run Jack, see Jack”

O vento forte abre a metade da janela
E o desejo da outra metade dela extingue a luz...
Já era a luz da vela!

O relinchar do corcel abafa o refrão
Um olho dela se fecha para não ver a luz
Um outro olho seu mantém-se aberto
A cuidar da tristeza do animal branco

Talvez batize a ela: Jill
E ao corcel: Jack
E cante para eles uma nova canção:

“Half big 
Half ill
How  Black 
Is Jack
How evil 
Is Jill
They are me
And they are mine
Half white 
Half black
Run Jill 
To the vine
Hide from Jack
When it is on time”

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Fui engolido por uma baleia chamada solidão


Fui engolido por uma baleia chamada solidão
Fui cuspido pela baleia numa ilha chamada solidão
Por onde sobrevoavam aves sem nomes, sem cores, sem graça.
Construí uma balsa, com troncos velhos abandonados
E batizei-a: solidão.
Coloquei-a no mar e parti.
Por um barco fui avistado e trazido a bordo.
No convés, morta na solidão, a baleia que me engolira e cuspira.
Na rota traçada no mapa estava a ilha solidão.
Sobre o barco também voavam aves sem nomes, sem cores, sem graça.
O nome do barco?
Não sei se era solidão, era pintado em seu casco
Numa língua por mim ainda desconhecida...
Talvez seu nome fosse: vida!

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

The funeral


The son was sad
The daughter went mad
The mom cried, breathed in deeply and fell on the ground

The raven wearing its black elegant suit
Was standing, staring at every moment of that morning
While someone else was moaning

The son still cries
The daughter became angry
The mom was still lying on the grass beside the grave

The raven in a black feather coat
Was standing, staring at everyone
Wearing those pathetic black clothes

The son still cries
The daughter was turning into insanity
The mom was taken away

The raven wearing a perfect black crush hat
Was standing, staring at all those fools
And watching the gravedigger disappear beyond the hills

The son had stopped his cry
The daughter was finally hysterical
The mom was declared really dead

The raven rose from the tree, above the grave
Took a brief flight over everyone at that funeral
And landed on an old rotten log

The mom was really gone
The daughter finally got crazy
The son, the son… yes,
He said to the raven:
Let’s go my friend,
Who didn’t notice you
Doesn’t understand life
Doesn’t understand that we’re like grass
Waiting for a reaper,
The Grim Reaper that owns you’

The raven took another brief flight
Till the shoulder of the son
Meanwhile the coffin was buried
And the grave was sealed,
The mom was taken to a morgue
And the daughter sent to Arkham.

Probably now she’s having some fun with Joker.


And don't ask about who was dad...
It doesn't matter : now he's buried and...
He's The dead!

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Letras et cetera - Revista Literária Digital: Leonardo Boff - A base biológica da espiritualidade

Letras et cetera - Revista Literária Digital: Leonardo Boff - A base biológica da espiritualidade

Rime and rhyme


I'm sick and tired of you
Trying to force me to do
The way you like or chose

My rhymes aren't enough
To show you or mean my thoughts

I'm bored, this old history
These pale girls
Fairytale instead of mystery

Just tired to try to please
Who I don't even know how

I won't rhyme this with time
I'll try some lime, sweetie-pretty
Or I'll make your sugar bitter

This rhyme is fine
I'm tired of this mess
I guess...

I really need to rime
This time...

sábado, 8 de setembro de 2012

Natureza exata


Por dentro existe um outro eu
Aquele que não vê beleza em nada
Que vê apenas a lógica das palavras
A morte como saída única e a dor como mestra

Por dentro existe um outro eu
Aquele que assassina qualquer poesia
Que critica o que não é dele mesmo sendo meu
E se vê como o único a saber de coisas

Por dentro existe um outro eu
Aquele que se alimenta de coisas negativas
Que insiste em sobreviver a qualquer custo
Sempre me lembrando que ele é a minha natureza

sábado, 25 de agosto de 2012

Beijo verso

Parece-me estranho escrever o verso profundo
Que em ti chegue tão forte quanto o toque de teus lábios
Despertando em mim o silêncio do verso perfeito.

it seems strange to me writing the perfect verse
which reaches you out as deep as the touch of your lips
awakening in me the silence of the perfect verse

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Os sonhos e o vento


De qualquer forma o vento sopra
Revelam-se então teus traços perfeitos
Coincidentes com meus desejos imperfeitos

De qualquer forma o vento passa
Revelam-se porem poeira e areia deixadas
Na estrada dos sonhos sem fim

De qualquer forma o vento derruba
Revelam-se então árvores sem folhas
Todas ao lado dos desejos e sonhos
Deixados caídos e não vividos

terça-feira, 21 de agosto de 2012

De olhos fechados



Cerro as pálpebras na tentativa de impedir
Que coisas encontrem meus olhos
Abro as mãos na esperança de um toque
Que se conecte aos meus anseios

Fecho os braços e agarro o vazio

sábado, 11 de agosto de 2012

Uma outra canção de amor


Quero arrancar-te gemidos
Suaves, melódicos e constantes
Aos meus criteriosos ouvidos
Que sejam todos tocantes

Aprofundem-se até o coração
Sutil e compassadamente
Soando como uma canção
Tocando-o sempre, eternamente.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Talvez nem queira ser


Talvez fosse poeta
Se fingisse sentir dor
A dor que deveras sinto

Talvez seja poeta
Pois não sinto a dor
Que deveras minto

Talvez serei poeta
Quando parar de sentir
E de fingir que escrevo
O que minto
Que sinto
Muito
Escrevendo sobre o que penso
Que sei ou não
Que sinto ou omito

Talvez nunca serei poeta
Enquanto em mim restar ferida aberta
Talvez nem queira o ser
Basta-me sentir...

O que sou?
Só escrevinhador.
Seja de dor
De amor
De fingimento
O que for.

Deveras, pouco me importa!

domingo, 5 de agosto de 2012

O corvo do abismo




Esta noite deparei-me novamente
Com a fronteira, com o abismo.
O lugar onde perambulam fadas
E garotas pálidas de aparência fantasmagórica.
Não havia maritacas barulhentas,
Aquelas que nunca se calam..
Mas uma ave dita de mau agouro assentou-se próximo
E em silêncio me olhou como se fizesse um convite
'Um sobrevoo por sobre o abismo?'

Seus olhos proferiam palavras mudas,
Ecoavam em meu interior.
Um sentimento de negação,
Do saber que não deveria, conteve-me
Num instante se formou nítida a imagem
A ave negra finalmente me encarou e disse :

'A ti não houve Lenora
E hoje aprecias a aurora
Levanta-te logo cedo
Em preces que te abafam o medo

Não te houve Lenora
Porém sentiste e choraste a partida
Buscando inutilmente a calma
Tentaste a cura lambendo a própria ferida
Mas a saliva não lava a alma

Não te estendo as mãos porque não tenho
Não te ofereço uma asa pois ambas me são necessárias

Aproxima-te então e pula comigo
Abandona tudo e encara o abismo
Mas te lembres que não tens asas
E que não voltarás para casa
E tampouco verás aquela que para ti
Foi como Lenora

Não terás mais a dor da lembrança
O sentimento de vazio da desesperança
Conceda-me esta última dança
Mas lembra-te: logo após, nada mais, nunca mais.'

E a ave prostrou-se diante do abismo
Virou-se para trás e fitou-me brevemente
Sem insistir, emudeceu e alçou voo sozinha

Virei-me para os lados
Percebi que não mais havia ali
Fadas ou garotas pálidas

Quando me voltei para ver o corvo
Não havia ali nem corvo ou abismo
Apenas um horizonte árido e um fio d'água
Acompanhados de um gralhar constante em meus ouvidos:

'Nunca mais!
Nunca mais!'

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Escrevi em algum lugar


O que era mesmo que sentia?
Devo ter anotado
Em algum lugar

De quem era mesmo que eu gostava?
Não me lembro
Devo ter escrito em alguma árvore

Quem mesmo eu era?
Talvez me lembre ainda
Devo estar escrito em algum lugar

Anotei,
Em algum corpo que toquei
Num copo de onde bebi

Eu devo ter escrito
Em algum lugar...

sábado, 21 de julho de 2012

Efeito das letras


Mover-me portas a dentro
A convite de um poema
Encorajar-me nos pensamentos
Aceitar a falta de um tema
Tremores impedem ação
Temores repelem reação

Abra-se dicionário
Desmanchem-se rimas

Açoito uma folha ao ponto de marcá-la
Tão profundamente quanto o tamanho da revolta

Circundo-me louco
Como um cão danado
A correr, dando voltas
Em torno do próprio rabo

Fechem-se livros
Que não lerei mais nada
Quebrem-se penas
Que não escreverei palavras

Cuspirei letras sobre superfícies brancas
Explodirei minha alma
Para que se derrame em chamas
E arda as mãos de quem queira alterar-me
Seja eu, uma oração
Sequer uma vírgula

Meto-me portas afora
Monto o cavalo de Álvaro
Que me conduz freneticamente
Ao lugar em que desejo estar
Onde certamente não sou um universo pensante
Mas vivo em carne osso
No efeito das letras

Ipês



O florescer dos ipês revela
A esperança de que o feio
Um dia se torne o belo

Traduz a fé em um calor
Que existe mesmo num frio
Doloroso, melancólico e triste

Um céu repleto da nitidez azul
Que poucos percebem
Concentrados no desconforto

Sinto necessidade do frio
Da dor nos ossos
Do queimar da pele
Do pingar do nariz
Do anseio da primavera

E que prazer teria eu
Se não me fizesse triste
Para admirar a alegria
De galhos secos e coloridos
Dos tais ipês todos floridos

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Morte


Afasta de mim esta mão
Que suavemente me afaga
Doce, esguia, macia
Deveras gelada

Leve distante esse toque
Pesado, pesares, dores molares

Mastiga este pão imerso
Em dores, horrores, tormentos
Que correm infinito deserto ‘in vitro’
Que marcam meu rosto com linhas
Nas beiras dos olhos marejados na dúvida

Toma esta mão sem calo algum
Que lidou branda na vida
Dividida, um dia que foi aquele
Antes de te saber

É agora a hora do meu dever
De ver, ver o que somente terei
Depois de cerrar os olhos
Pela última vez.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

O ébrio e as luas


Cambaleia sob as duas
Cinzentas e reluzentes
Hoje cheias as luas
Onde antes todas foram ausentes

Estranhamente sente dor
Incólume.
Torpor de repente
Constante volume.

Tropeço
Arremesso
Espesso

E as luas pairam
Por sobre nuvens
Dilúvio etílico
Perfume demente
Apenas semente
De delirium tremens
Tremendas dores
Temendo odores
Horrendo ser
Na noite vagueia e cambaleia
E as luas pairam
Por sobre o bosque
Cheias as duas
Transbordantes de reflexo
Sonhando com apenas um acalento
Um amplexo
Que tenha sentido
Que um dia teve
Que um dia satisfeito
Que um dia apenas uma delas havia
E as noites eram escuras, os dias claros
E os prazeres não raros.

Ébrio,
Fétido,
Fausto e exausto
Repousa sem paz
Ao som da aurora
Nos dias de outrora
Onde havia apenas uma
A amada
Que hoje é apenas a lua dobrada

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

O almoço e saudade



E lá estavam as duas grande amigas e companheiras, uma sentada a mesa iniciando a refeição. Dentro de alguns minutos deveria voltar ao trabalho; bem próximo de onde mora. Isso lhe permitia almoçar em casa todos os dias. Já a outra, a mãe, estava a beira da pia já adiantando a lida para se permitir um descanso durante a tarde, de um modo ou outro já tinha umas pernadass de vida a mais que a filha caçula.
Conversavam sempre, assunto sempre havia em base de respeito mútuo. E diga-se de passagem : ah, como havia um conta de vida alheia no meio dessas conversas.
Enquanto uma cuidava das coisas sobre a pia a outra almoçava vagarosamente. A mais velha lhe perguntou o que estava acontecendo. A resposta foi certa, simples e objetiva. 'Saudade, mãe!'
-- E quando é que ele volta?
-- Dia vinte e sete.
-- Come tudo menina, se não já sabe!
-- Não se preocupe não, estou me alimentando direito, é que a minha cabeça vai longe e esqueço de por a comida na boca. Sinto fome sempre, mas a saudade a obscurece um tanto.
-- Será que ele vai te trazer presente?
-- Sei lá mãe! Pelo que conheço é capaz de aparecer com uma coisa que eu nem sei o que é, e vai me contar uma história tão comprida e cheia de floreios sobre o significado do lugar onde comprou, quem passou por lá nos séculos anteriores, etc. Sabe-se lá! Bem possível até de me aparecer com uma pedra que achou bonita no meio do caminho. Ah mãe, você sabe como ele é, e além disso foi com o dinheiro curto, bem possível gastar tudo em comida e bebida e se esquecer de me comprar algo... Não me importo, quero que ele volte logo.
--É verdade menina! Como é que pode beber e comer daquele jeito e não engordar? Quando vocês comem aqui no fim de semana eu fico olhando ele comer... Na verdade eu gosto qundo ele come daquele jeito, é que ele cozinha tão bem... se come minha comida assim é porque deve ser boa mesmo.
--Mãe, você está maluca? Sua comida é ótima, ele detesta feijão e a senhora nem sabe.
--Verdade? Mas por que ele sempre repete o arroz e feijão, sem pegar mistura?
--É que ele diz que seu feijão é mágico.
A mãe vendo a filha quase a terminar com a comida do prato tranquilizou-se e voltou a pia. De repente um silêncio. Volta-se para trás e olha para a mesa : a filha havia comido toda a comida com exceção de uma azeitona, para a qual olhava e chorava sem parar.
--Tudo bem filha, logo ele volta, come a azeitona pra mim lavar o prato.
--Não consigo mãe, ele sempre pede as azeitonas do meu prato.
--Essa você pode comer, não tem caroço.
--Como assim?
--Ele me disse uma vez que não gosta de azeitona sem caroço, não tem graça! Você não sabe disso?
--Sei sim mãe, mas quem come as azeitonas do meu prato é sempre ele, com ou sem caroço. Come a senhora, senão me atraso pra voltar.
E a 'menina' levantou-se fez sua higiene, despediu-se da mãe e saiu.
A mãe ficou olhando o prato, a azeitona e sentiu saudade do genro. Chamou o cachorro e deu a azeitona pra ele, lavou os últimos utensílios e pensou : 'Afinal, às vezes ele dava uma azeitoninha pro cachorro. Não ia se incomodar.'