domingo, 12 de junho de 2022

À beira do lago

Em um de meus esporádicos passeios ao nascer do sol, certa vez ­– e a única por assim dizer – deparei-me com uma figura de aparência completamente comum. Um homem comum vestindo roupas comuns, mas em uma atitude nada comum para estes tempos de hoje naquele parque: um cavalete virado para o lado contrário ao do lago e uma tela com umas manchas de tinta, e ao lado havia uma banquetinha com um conjunto de pincéis de tamanhos variados. Paramos a seu lado e ficamos a observá-lo, eu, minha curiosidade e minha crítica de ignorante. Numa entonação muito calma sem se virar me indagou se eu já era capaz de antever o que seria pintado naquela tela:

– Obviamente não será o lago e seus pássaros!

– Por que não? Posso querer por à prova minha memória fotográfica. E se eu quiser pintar o momento que vi antes de o sol começar a ofuscar o que eu não posso ver agora?

– Não tinha pensado nisso. Sabe que conheço uma canção que diz que “O problema com o classicista é que ele olha uma árvore, é tudo o que vê, ele pinta a árvore. O problema com o classicista é que ele olha para o céu, ele não pergunta por que, ele só pinta o céu. O problema com o impressionista é que ele olha para um tronco, não sabe quem ele é parado olhando para este o tronco...” e por aí vai.

– Uma visão um pouco simplista, me parece até opinião de algum artista contemporâneo, talvez alguém que desenhasse latas de sopa ­­– um tom irônico em sua voz denunciava que sabia de quem eu estava falando.

– Que por sinal continuam com o mesmo desenho há uns 50 anos.

– Talvez estas coisas façam sentido para alguém, mas para mim não fazem.

E durante este curto diálogo continuou com suas pinceladas que nada pareciam. Permaneci ali parado apenas olhando, cético e indiferente a qualquer possível resultado do que quer que fosse ser revelado por aqueles gestos que guiavam cuidadosamente cada um dos pincéis que ia trocando e misturando cores em suas pontas.

– E o senhor? Pretende ficar aí parado me vendo pintar?

– Ainda não me decidi, se o senhor me permitir posso ficar, mas se preferir posso ir embora.

– Não, não me entenda mal. Apenas uma pergunta, sabe... dessas que a gente usa só pra continuar com a conversa. Porque o senhor não fica do lado detrás da tela, assim podemos conversar nos olhando, olhos nos olhos.

– Como quiser... mas... o senhor não vai me incluir em sua pintura, vai?

– Não, detesto pintar pessoas – e soltou uma gargalhada enorme.

– De que o senhor riu?

– Sabe que uma de minhas filhas me pediu que pintasse um retrato dela, que fizesse uma cópia de uma fotografia preto e branco de quando ela era bebê, mas que eu reproduzisse as cores como eram. A menina não gostou muito...

– Por qual motivo?

– Ela disse que o rosto dela havia ficado todo torto. Fato é que pra eu imaginar ou lembrar, seja lá o que for, das cores como eram tive que pintar metade como era e metade como é. Foi a maneira que encontrei de me expressar, por fim ficou um retrato de meia menina e meia mulher, por isso ela entendeu que tivesse ficado torto, mas  na realidade eu não me lembrava mais de como era a cor de seu cabelo, a inocência de seu olhar foi se diluindo junto à tinta, as proporções se perdendo como se durante o tempo que eu levei pra pintar um lado do rosto fosse proporcional ao tempo que passara em sua vida até o momento que pintei o outro lado do rosto. Um pouco confuso, assim como o resultado. Ela jogou fora, o senhor acredita? – e mais outra gargalhada, com se fosse uma coisa completamente normal jogar uma pintura fora.

– Mas como assim, jogou fora?

– E com requintes de crueldade, blasfemou e rasgou a tela!

– E o senhor não se manifestou, não reclamou?

– E por que deveria? O quadro era dela.

 

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Sobre botas, máscaras, deveres e lobos

lobos, botas e máscaras negras
que por entre coníferas e palha e troncos
estalam gravetos e perturbam o repouso

homens toscos, grotescos que fazem por ordem de outrem
e cumprem deveres que não deveriam ser seus
o medo nos olhos, no cheiro do suor...
nem ao menos gratidão ao fim da labuta

e lobos viram homens e homens se tornam em palha
e palha e galhos se tornam monstros
quando ardem em fogo e exterminam
homens, lobos, deveres e outrem
até que tudo retorne como antes era
e não haja mais obrigações, lobos ou homens
perseguindo lobos que perseguiam homens
que usavam botas e máscaras negras.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Para ouvir

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Isabelle

It is not the same red as seen during the sunset
Neither the one as seen in the sheets
    after the maiden's first night

It's not the same golden as seen on that girl's hair
And it's really not the gold that adorns hands of kings,
    princes or any nobleman that is

It's not the same blue as seen in some dreams
Neither that one as seen around the iris of
    astonishing Isabelle, so beautiful, so pure

It's not the same dark as unseen during the night
And it's really not that dark devouring any colour
    any stare, a wish or whatever it is

It doesn't belong, the pureness of white
Because there is no notion anymore , even a foggy notion
    the way that looked like the skin of Isabelle

Nobody want her no more, nobody see her anymore
Because her preciousness was taken away
    cruelly, roughly, finally

Nobody knows where she goes or walks
But in my dreams she runs with Annabel
    both at the beach while the wind sings

About the paleness of their beauty and prowess
While they sing and spin to the sound of the sea
    a raging sea, a calm sea, calm and raging sea

(versão em português)

A ti terra mãe

A ti terra mãe,
Gaia da ciência,
da existência!

A ti me devolvo
E te devolvo parte de ti
E de mim quase inteiro

A ti terra querida, dou-me:
Aquilo que fui,
O que quiz e o que não mais será.

A ti, terra que engole
Eis um corpo que jaz
Que não me serve
Mas que a ti pertence

A ti terra querida,
Que devora olhos,
Que come gente,
Que vive ainda,
A ti me dou.
Querendo que me torne
Em algo que em outra forma te sirva.

Sempre!