segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Alberto: meio homem, meio fantasma.


Precisamente às dez horas e vinte e dois minutos daquele dia, Alberto sentou-se na beirada de sua cama, sempre bem esticada e arrumada pela manhã, e ao afastar as almofadas encapadas com um crochê em barbante cru, retirar seus chinelos pantufas e esfregar as mãos no rosto, ocorreu-lhe o seguinte pensamento: “Eu sei o que é entristecer, realmente eu sei me entristecer, não sei se por hábito, necessidade ou auto piedade, mas sou ‘profissional’ nesse ramo. Será que outras pessoas se aborrecem tanto e com tanta freqüência como eu? Tenho clara noção de que o problema está em mim, e, diga-se de passagem, bem arraigado. Mas minha tendência em atribuir esse desconforto emocional está sempre direcionada ao outro. Aquele que frustra minhas expectativas sobre os acontecimentos, aquele que com suas idéias consegue ruir minhas convicções, todas construídas com muito sacrifício de tempo em leituras diárias sobre assuntos de meu interesse, e aquele, aquele, principalmente aquele mais jovem e estúpido que não viveu direito as amarguras da vida, a perda de uma esposa, a vida sem descendentes, ah como eu queria esganar alguns jovenzinhos idiotas. Talvez pensem que eu sou mais coitado que eles, mas sabe-se lá, somos livres para julgarmos quem quisermos e como quisermos.”
As mãos de Alberto acabaram de esfregar o rosto, como se o lavasse com água, mas com o que naquele momento esfregara seu rosto era mágoa e não água. E todo esse pensamento amargo não durou mais do que o subir e descer de suas mãos por duas vezes. O turbilhão de idéias ainda estaria por vir, ele sabe que seu travesseiro antialérgico, anti ácaro, anti mofo só não é anti amargura, anti ressentimentos. Se bem que pelas últimas noites tem sido um pouco diferente.
Ao deitar-se Alberto percebeu ainda, que ele mesmo é sua própria assombração: “E ainda tem essa, moro sozinho numa casa mal assombrada, mal assombrada por mim mesmo. E é bem verdade que me sinto como um fantasma. Tem sido assim desde que Eleonora morreu, levou consigo o amor que havia em mim, a gentileza que herdei de minha família, e o seu sorriso doce que não se desfazia. Sei que ela não levou nada disso, eu é que joguei tudo dentro de seu caixão antes de o fecharem para o cortejo. Fui um covarde, não tive coragem de ver o sepultamento e isso me custou revolta e indignação de outros, outros que não sabem o que sinto realmente e como seria insuportável viver com a imagem de um caixão levando em seu interior tudo que de bom havia em meu interior. Eleonora era a minha essência, minha vida, e essa é a razão pela qual passei a pensar que virei um fantasma que assombra a casa onde Eleonora viveu e não uma pessoa que mora onde viveu com Eleonora.”
E a sucessão de pensamentos derrotistas, mórbidos e melancólicos cessou ao formar-se em sua mente a imagem de um lugar com um curso de água límpida e corrente, de pouca profundidade e cercado de pedras limosas, com um musgo de um verde muito mais intenso que a sua própria esperança. Alberto chega até a ouvir o som da água, talvez essa a distração que o impeça em ouvir a voz de sua mente. Dessa maneira consegue adormecer por todas as noites. Vem sendo assim desde que iniciou as sessões de terapia, a tal condição que lhe impuseram para que continuasse no emprego.
Alberto sempre foi um funcionário responsável, sem muitos talentos ou habilidades, mas sempre sério e caprichoso. Sempre começou e terminou com êxito uma tarefa. Mas a morte de Eleonora foi como uma amputação de um membro. Tornara-se um deficiente. Nos dois últimos anos precisou da assistência médica da qual nunca precisou a vida inteira, e com muito sacrifício, amigos, colegas e médicos o convenceram a procurar um terapeuta. “Mas isso é coisa de gente fresca, sem pulso para encarar a vida.”
Sempre foi esse o pensamento de Alberto, mas quando da morte de Eleonora percebeu o quanto era fraco e cheio de dificuldades de encarar a vida por si só. Talvez a amada, ainda imortal em seu sentir, tivesse total influência na fonte de energia vital de Alberto, agora enfraquecido por uma anemia chamada morte, a morte da ‘minha metade de fora’, assim era como ele definia o que Eleonora representava para ele. Nessa sua definição havia uma questão existencial e outra até poética, que pensava ele se tivesse mais habilidade com as palavras dedicasse um breve conjunto de poemas a Eleonora. Gostava de ler, Alberto adorava a leitura. Era seletivo nos assuntos, mas limitava-se a textos não muito longos, ou livros até mais longos, mas com capítulos curtos a serem lidos esparsamente. Gostava de alguns poetas que remetiam ao romantismo alemão, da época dos compositores clássicos das sinfonias suntuosas, dos temas ideais. Por certo acabou um dia seduzido pelo ‘lado obscuro’ onde andaram Goethe e Allan Poe. Quando conheceu um poema de Poe que falava de uma Lenore que havia partido, chorou de dor e nunca mais o leu. Pensou que naquele dia havia sentido a dor de perder Eleonora, mas não fazia a menor idéia do quão profundo o corte que arrancou a metade de fora poderia ser. Doloroso e impiedoso, como o golpe do ceifador que veste negro.
Alberto continuava naquele momento as práticas meditativas e de relaxamento que vinha aprendendo. Com a imagem daquele local agradável e de sons suaves, não chegava a sentir seu corpo tocando o tecido do lençol sobre o colchão e tampouco o edredom que o cobria. Alguns fragmentos de pensamentos e ressentimentos do dia formavam certa névoa por sobre o curso d’água, mas a brisa suave de sua respiração a dispersava quase que prontamente. E nesse exercício mantinha-se calmo, tranquilamente sentindo o pulsar de seus vasos sanguíneos. O bater de dentro do peito num compasso constante e o ritmo que impunha ao entrar e sair do ar em seus pulmões faziam-no sentir dono de seu corpo e quase que dono de sua mente. Nesse momento era tomado por um alívio muito acima de um prazer imediato, intenso e passageiro ou perturbador como sexo sem amor, uma forma de conforto não só do corpo, mas do ser por completo. Sabia que era possível ir além, mas por enquanto contentava-se nesse pequeno refúgio com água, pedras e pouco verde. O mais importante era o silêncio dentro de sua mente, os barulhos exteriores já não eram ouvidos há muito.
E para esse lugar Alberto ia todas as noites antes de adormecer e nesse dia não foi diferente, adormecera.
O relógio que deixava na escrivaninha do outro lado do quarto estava marcando exatamente quatro horas e trinta e sete minutos da manhã, ainda faltava treze minutos para o despertar de Alberto. Um estrondo do lado de fora. “Talvez um trovão”, pensou Alberto logo depois de abrir os olhos devido ao susto. Manteve-se imóvel na cama e tornou a fechar os olhos, mas sabia que não iria adormecer novamente. De súbito decidiu fazer uma prece antes de levantar- se, mas não para um deus ou qualquer outra entidade que se conheça, uma prece apenas, sem destino diferente de seu próprio bem estar.
Nunca crera em doutrinas ou entidades religiosas, num deus talvez, mas não dedicava sua atenção a esses assuntos ou pensamentos. De alguma forma, essa sua nova prática diária trazia certo conforto a ele que inevitavelmente o levou a pensar que vinha de um plano realmente espiritual. Sua prece parecia se dirigir a uma imagem dele mesmo se orientando em manter a tranqüilidade da mente e os maus pensamentos habituais distantes.
Sentiu-se confortável naquele instante, mas o toque do despertador ruiu toda a tranqüilidade daquele momento e acabou por provocar um desconforto que saiu debaixo do edredom junto a ele e arrastou-se grudado em uma das pernas até meter-se de baixo do chuveiro. Um banho bem breve, apenas para que despertasse.
Alberto não assinava nenhum tipo de impresso com notícias que fosse entregue em seu domicílio, gostava de passar logo cedo, por umas duas ou três vezes na semana, na banca do Ishiro, um japonês que fala um português engraçado, e que diverte Alberto ouvi-lo falando, Ishiro tinha sabedoria e pensamento orientais, o que sempre tornava certo uns quinze minutos de conversa saudável até chegar o horário da condução.
Alberto preferia aproveitar o tempo de viagem para fazer a leitura das ‘notícias inúteis’ - essa era a definição que Alberto tinha sobre as notícias dos jornais contemporâneos – durante o trajeto e não desperdiçar tempo em casa com isso. O que tornava curto o tempo entre acordar e sair de casa.
E ao tomar sua condução para o trabalho sabia que o dia o transformaria no fantasma que se deitou ontem, o fantasma de Alberto que assombra a casa onde viveu Eleonora.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

The Funeral (Um funeral em versos)

THE FUNERAL

The son was sad
The daughter went mad
The mom cried, breathed in deeply and fell on the ground

The raven wearing its black elegant suit
Was standing, staring at every moment of that morning
While someone else was moaning

The son still cries
The daughter became angry
The mom was still lying on the grass beside the grave

The raven in a black feather coat
Was standing, staring at everyone
Wearing those pathetic black clothes

The son still cries
The daughter was turning into insanity
The mom was taken away

The raven wearing a perfect black crush hat
Was standing, staring at all those fools
And watching the gravedigger disappear beyond the hills

The son had stopped his crying
The daughter was finally hysterical
The mom was declared really dead

The raven rose from the tree, above the grave
Took a brief flight over everyone at that funeral
And landed on an old rotten log

The mom was really gone
The daughter finally got crazy
The son, the son… yes,
He said to the raven:

‘Let’s go my friend,
Who didn’t notice you
Doesn’t understand life
Doesn’t understand that we’re like grass
Waiting for a reaper,
The Grim Reaper that owns you’

The raven took another brief flight
Till the shoulder of the son
Meanwhile the coffin was buried
And the grave was sealed,
The mom was taken to a morgue
And the daughter sent to Arkham.

Probably now she’s having some fun with Joker.

And don't ask about who was dad...
It doesn't matter : now he's buried and...
He's The dead! 


RISEN

Extend your patience for a moment
Stop the desires and change the laments
Enhance your madness and move it into sadness

Pretend the light is black
The flesh is not red
And there’s nothing inside of your head

But no,
The flesh is still red and so the blood
Your hands are so far, so far away
Then they can’t make it or take it
Whatever it is

So, it is
So, it will be
So, shall we
Get into these insane dreams?

Extend your desires till they turn into laments
Stop the pattern and change the paths forever
Enhance your sadness more and more,
Turn it into madness

Pretend the darkness is light
The red is blue
And there’s nothing to see inside of you

The flush is turning, so fast, so fast
That you can’t merely see it
Your hands are so fast, so fast that you can really grab it
The flesh, the flush, the blue fish
Whatever it is

So there it is
So there it will be
So shallow it swims
Would we dare dive within?

Extend your hands for the flash
Change directions and die mad
There’s a slim chance to pretend
You’re not really dead  

CHAINED

I'll wait some more
But sometimes I think to myself
What for?

I'll ask why
And then explain the reasons
For these stains,
These chains.

Sometimes it hurts
I don't recall
Some other times it rips
I don't feel anymore

I'll ask why
And then forget the reasons
For these chains,
These stains.


ALL ENDS IN A POEM

we are all in a boat
and it’s called life
we lived our lives separated
life tore us apart
neither love nor hate
life did this to us

we are all writing some poems
anyone, anywhere, anytime
verses are in line
strophes are leaving
and poetry is the holy hole inside this boat
that make us sink like a rock
and saves us from our weird nature
and from unwanted salvation