sábado, 31 de dezembro de 2011

Desconstrução da imagem


Pablo Picasso
Ultimamente vem sendo assim : levanto-me, como algumas coisas e me dirijo ao espelho. Estático e sem piscar os olhos desconstruo em uma fração de segundo minha imagem, e contemplo o mosaico bizarro em que o eu familiar se transforma.
Por minutos prostrado, apenas com os olhos no lugar de costume, mentalmente começo a reorganizar os traços, reposicionar a boca (hoje ela foi parar debaixo do queixo, semana passada houve um dia em que era impossível distinguir se a orelha estava dentro da boca ou o nariz ao lado).
Neste exercício ou tormento ou desvario ou surto ou alucinação, seja o que for.... venho remoldando a maneira como me vejo por fora; por dentro é fácil, basta fechar os olhos no silêncio.
Terminada a reconstrução vem a parte difícil, olhar aquela imagem que se degrada a cada segundo que passa e me conformar que não sou e não serei jamais capaz de me ver com meus próprios olhos – o rosto jamais. Nunca! O mais próximo disso é poder vê-lo refletido numa superfície que me permita isso.
Quando criança, a maneira que mais apreciava em ter isso era à espera de uma refeição; pegava a colher e mirava por minutos àquela imagem distorcida e invertida (vulgo de ponta cabeça). Talvez mais divertido que qualquer brinquedo ou brincadeira. Tornava-me surdo e mudo, o mundo desaparecia enquanto me transportava àquele fantástico universo que havia dentro da colher...
De volta ao banheiro, onde me encontro quase deformado aos moldes do que devo parecer. Se chegasse onde vou como sou realmente seria um assombro. A minha liberdade é na imagem, no imaginário, no reflexo, na solidão, no isolamento. Sou absolutamente perfeito exteriormente, tudo no devido lugar aos olhos alheios; são uns ignorantes a meu respeito...
Se meus olhos fossem emprestados a alguém, talvez me vissem como sou, mas quem sou, o que sou, o que vejo somente estes olhos são capazes, já o que sinto é simples : basta olhar estes mesmos olhos e ver a clareza da iris, a escuridão da pupila e o branco que circunda, e a lágrima que sempre está pronta a escorrer, seja por qualquer coisa que me estimule : tristeza ou alegria, mas nada oriundo do que eles mesmos vêem, pois o que vêem pela manhã já me previne de ser enganado pela falsa sensação que me é a visão.

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