domingo, 5 de agosto de 2012

O corvo do abismo




Esta noite deparei-me novamente
Com a fronteira, com o abismo.
O lugar onde perambulam fadas
E garotas pálidas de aparência fantasmagórica.
Não havia maritacas barulhentas,
Aquelas que nunca se calam..
Mas uma ave dita de mau agouro assentou-se próximo
E em silêncio me olhou como se fizesse um convite
'Um sobrevoo por sobre o abismo?'

Seus olhos proferiam palavras mudas,
Ecoavam em meu interior.
Um sentimento de negação,
Do saber que não deveria, conteve-me
Num instante se formou nítida a imagem
A ave negra finalmente me encarou e disse :

'A ti não houve Lenora
E hoje aprecias a aurora
Levanta-te logo cedo
Em preces que te abafam o medo

Não te houve Lenora
Porém sentiste e choraste a partida
Buscando inutilmente a calma
Tentaste a cura lambendo a própria ferida
Mas a saliva não lava a alma

Não te estendo as mãos porque não tenho
Não te ofereço uma asa pois ambas me são necessárias

Aproxima-te então e pula comigo
Abandona tudo e encara o abismo
Mas te lembres que não tens asas
E que não voltarás para casa
E tampouco verás aquela que para ti
Foi como Lenora

Não terás mais a dor da lembrança
O sentimento de vazio da desesperança
Conceda-me esta última dança
Mas lembra-te: logo após, nada mais, nunca mais.'

E a ave prostrou-se diante do abismo
Virou-se para trás e fitou-me brevemente
Sem insistir, emudeceu e alçou voo sozinha

Virei-me para os lados
Percebi que não mais havia ali
Fadas ou garotas pálidas

Quando me voltei para ver o corvo
Não havia ali nem corvo ou abismo
Apenas um horizonte árido e um fio d'água
Acompanhados de um gralhar constante em meus ouvidos:

'Nunca mais!
Nunca mais!'

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