“Quando escrevo visito-me solenemente” (Fernando Pessoa)
Quando leio me descubro não ser eu
Dou-me por completo a uns poucos versos
Que mal compreendo,
Nem sei bem se dizem o que estou a entender.
Mas e daí?
Tanto faz, quando leio abandono-me solenemente
Ponho-me no esquecimento de que não pertenço a meu corpo
E nem sei mesmo se o sinto,
Versos me possuem, me arrancam de dentro não sentimentos
Arrancam-me sutilmente da quietude fingida
Nos momentos de sobrevivência.
Adoro comida, comer, dormir e não ler nada.
Um absurdo paradoxal, quando digo que leio e gosto
Gosto sim, não gosto é da preguiça que sinto
Em abrir um livro e mover os olhos
Cansam-me os músculos, esta perseguição insólita
Correndo e correndo atrás de letrinhas paradas
Que não se movem, que não falam e não exalam
Quando leio, não sou eu quem lê
É a minha vontade em fazer de conta que gosto de não fazer o que faço sempre.
Escrever o que leio e ler o que escrevo e imitar quem leio e aprender a ler e entender
Que um verso escrito já não pertence mais a quem o escreveu
Eu sou eu e não me pertenço
Minha poesia é minha somente nos instantes em que está em mim
Após escrita eu sou mais dela e ela a dona
Porque não sei uma delas sequer em memória
Mas elas são certas de si
E existem sozinhas
E saídas de mim
A elas não sou mais ninguém e nada
Não me pertenço
Elas não me pertencem
Mas elas são a minha maneira
De ser eu mesmo sem sentir-me dono
Nem delas, nem de mim, sendo assim
Não pertenço.
Mas estou vivo dentro delas
E elas já não mais em mim.